Neste post apresento a realização de um sonho que motivou muitas conversas de dois jovens na década de 70, que viajavam mais de 1000 km por semana, dando aulas.
Com meu amigo Pedro, parceiros de viagem e como ministradores das cadeiras de Silvicultura em Faculdades do Noroeste Argentino (NOA), passávamos horas conversando e maquinando projetos florestais, criação de gado ou cultivos industriais diversos, no contexto da paisagem das nossas viagens, que era nas regiões áridas e semiáridas do Noroeste argentino.
Passaram-se quase 50, o meu amigo Pedro converteu-se no Engenheiro Agrônomo Pedro E. Valls, professor de Silvicultura na Faculdade de Agronomia da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Pelas suas atividades e inquietudes extracurriculares converteu-se num fazendeiro florestal que criou e estabeleceu um sistema silvopastoril que passo a apresentar aqui.
Este artigo surgiu num jornal clássico da cidade de Córdoba na Argentina. Fiz a tradução e o apresento neste blog para que possamos apreciar um sistema com quase 30 anos de implantado.
Artigo original publicado no Jornal “La Voz del Interior”, setor “Agrovoz”18/10/2013, Córdoba, Argentina
Jornalista responsável: Alejandro Rollán
“A criação numa floresta de pinus com poucas chances para o fogo.”
A mãe e sua cria estão em perfeito estado. A novilha cruza Angus, com algo de sangue Brangus, faz poucas horas que pariu o terneiro que já desloca-se pelos seus próprios meios. O que mais chama a atenção é onde se produz esta imagem. Não é nenhuma região de cria tradicional. É a mais de mil metros sobre o nível do mar dentro de um maciço de Pinus elliotiis plantados na serra “Los Comechingones”, 30 quilômetros ao norte de “Río de Los Sauces”.
O bom estado das matrizes se vê favorecido por um desmame precoce (La Voz).
Nessa altitude já não há espécies nativas; só os pinos implantados, com boas práticas de manejo, o que tem permitido fazer uso mais eficiente da água, num regime de chuvas de até 900 milímetros ao ano. Assim evitam-se as enxurradas e se evita a degradação das pastagens desta região serrana semiárida, onde os gêneros de Stipa sp. e Festuca sp. cobrem o cenário.
Nestas condições, Pedro Eduardo Valls tem em marcha, faz quase 30 anos, um modelo silvopastoril em seu estabelecimento “La Yunta”.
“Este sistema com trabalhos culturais de poda e pastoreio racional tem nos permitido abaixar o risco dos incêndios, pela diminuição do material combustível seco e a maior umidade relativa do ambiente. O manejo junto com a eliminação do material combustível, mediante podas, nos tem permitido extinguir focos de incêndio que de outra forma poderiam ter gerado danos totais”, sustentou Valls em diálogo com “La Voz del Campo”.
Pouco para queimar
Dentro do estabelecimento, um maciço implantado em 1992 mostra alguns rastros mínimos deixados por um incêndio em junho de 2011, quando se queimaram 250 hectares. “O fogo não encontrou combustível para fazer dano e hoje as pastagens naturais estão recuperadas. O pinus, pela sua parte, tem uma cortiça resistente e a ausência de ramas evita que o fogo suba nas copas”, reconheceu o produtor.
Hoje, nesses lotes, já há gado pastando e a evolução das pastagens é ótima.
Em novembro passado, 30 hectares com plantações de nove anos também foram atacadas pelo fogo. “A umidade no solo fez que seus efeitos fossem reduzidos e hoje tem uma boa recuperação do recurso”, destacou Valls.
Nesta região semiárida, o impacto da floresta influi decididamente no ecossistema. “A evolução, o desenvolvimento e a sucessão dos pastos são influenciados, conseguindo esticar o ciclo de aproveitamento das espécies, com maior porcentagem de proteínas por parte do recurso natural através do ano, e aumentando os quilogramas de matéria seca que se produzem de acordo ao manejo florestal que se faça”, assegura Valls.
Além do uso mais racional das pastagens dominantes na região (Festuca sp. e Stipa sp.), o aporte de nutrientes e a sombra das árvores tem permitido o desenvolvimento de outras espécies forrageiras autóctones, de melhor palatabilidade para os bovinos, e que permaneciam dormentes.
“Nos contrafogos, a pastagem está no seu tamanho natural, mas dentro dos bosques seu tamanho é menor. São espécies heliófilas que precisam da luz para se desenvolver. Na sombra das árvores elas diminuem e dão lugar à aparição de outras espécies de folha larga, como as dicotiledóneas, com maior qualidade forragera. Em alguns casos tem se recuperado até 30 espécies originais”, afirmou o produtor.
O efeito das plantações, nos animais, é também determinante. A temperatura media dentro da floresta aumenta aproximadamente 2ºC no inverno e diminui 2ºC no verão, o que faz com que diminua, nos animais, a energia metabólica requerida para a manutenção do seu conforto. “Aumenta o ciclo biológico das pastagens, aportam mais proteína e qualidade, o que se reflete na nutrição, na pelagem e no preço dos terneiros na feira ”, observou Valls.
Cria na floresta
Numa superfície de mil hectares florestadas, um plantel de 250 mães configura o modelo de cria neste setor.
Com uma carga animal de 150 quilos por hectare, o que se traduz numa vaca cada 2,5 hectares, o aproveitamento da pastagem natural se faz de forma racional.
O recurso forrageiro está dividido em 11 piquetes com aproximadamente 100 hectares cada um. Ali as vacas e terneiros pastoreiam entre 7 e 12 dias até ficarem, no máximo, 25 dias em épocas quando se faz pressão no excedente.
Segundo Valls, o tempo que os animais permanecem na pastagem é mais crucial que a quantidade de cabeças que o pastorejam. Em “La Yunta”, os serviços são sazonais e por inseminação artificial. A porcentagem de prenhes alcança 75 por cento. Historicamente, os terneiros se desmamavam aos cinco meses e meio com 150 quilos de peso. Ainda que, a seca que golpeia a zona nos últimos anos, tenha obrigado a fazer um desmame antecipado com 110 quilos para preservar o estado corporal dos ventres e garantir as prenhês do próximo ano. Uma recria sobre a base de milho leva o terneiro ate 190 quilos.
Alejandro Seyfarth, assessor florestal, e Pedro Valls, proprietário de “La Yunta”, em um piquete de pinus e pastagem (La Voz).
Produção de madeira
O manejo do recurso florestal é também de alta eficiência. Cada um dos hectares florestados conta com 800 plantas. Com o plano de raleio “a perda” (se extraem as plantas de menor diâmetro que não servem para madeira) e de extrações sucessivas, se atinge aos 25 anos, uma população de 300 árvores para a corta final. “Hoje estamos com uma taxa de extração de meio hectare ao dia, o que representa arredor de 100 toneladas por dia”, precisou Valls.
Há uma tendência a nível mundial de aproveitar toda a árvore, incluindo os restos da tala que ficam no campo. “Estamos incentivando a que se utilize a limpeza da floresta como um subproduto. Por exemplo, utilizar a casca do pino ou o chip para fazer energia, igual ao que se faz em outros países”, afirmou o assessor florestal Alejandro Seyfarth, que também participou da visita de campo pela propriedade “La Yunta”
O reflorestamento conta com incentivos econômicos por parte do governo federal argentino e a Província. Para ter direito a este incentivo, o produtor deve certificar que no ano de inicio o projeto atingiu o 95 por cento das plantações que vingaram. O máximo é até 300 hectares, como uma estratégia para incentivar aos pequenos produtores. Ao longo da vida do subsídio, seus efeitos sobre o investimento do produtor tem sido variados. Com a estabilidade econômica representaram uma compensação importante ao respeito do capital investido. Ainda que, seus efeitos diluam-se em épocas de inflação. “O negocio florestal com a pecuária é compatível e melhora substancialmente a rentabilidade dos sistemas de cria na região. Mas é necessário um manejo integrado já que, do contrário, o negocio não é nem florestal nem pecuário”, advertiu Valls.
Estabelecimento “La Yunta”
Produção florestal. Mil hectares plantadas com Pinus elliotiis, com uma densidade de 800 plantas por hectare. A taxa de extração é de 120 toneladas de madeira por dia.
Produção pecuária. Um plantel de cria de 250 vacas, com uma carga animal na pastagem de uma vaca cada 2,5 hectares. Os terneiros se vendem para invernada com 170 quilos de peso.
Cadeia forrageira. Pastoreio rotativo de espécies naturais (Festuca sp. e Stipa sp). A premissa é que o tempo que os animais permanecem na pastagem é mais importante que a quantidade de animais que pastoreiam no local.