Os 3 Cs, de onde vieram? O que são?
Falamos que a permacultura não é um conjunto de técnicas, mas muito mais uma proposta de ética, que para ser aplicada usa princípios de design e finalmente, escolhe técnicas apropriadas a este ou aquele contexto. A partir deste olhar, junto a minha história de vida como educadora surgiu a proposta dos três “C”:
Contexto- Conceito- Conteúdo
Disso falamos muito nos cursos, em conversas com permacultores e também neste blog. Mais de uma vez nos pediram referências de onde saiu esta síntese. É disto que se trata esta postagem, da origem dos “Três Cs”.
Há alguns anos, que remontam à década de 2000, começamos a trazer para as formações de permacultores educadores e posteriormente para as formações de instrutores de curso de design em permacultura ( PDC) embasamentos de educação, com estudos que propunham um diálogo entre Paulo Freire, Vygostki, Piaget, Fernando Hernández, Phelippe Perrenoud, Pichon Rivière; e os criadores da permacultura Bill Mollison e David Holmgren. A proposta era embasar e instrumentalizar permacultores com ferramentas básicas da pedagogia, manejo de grupos, etc. Assim aconteceram várias reuniões da Rede Permear e, posteriormente, outros cursos.
Na foto abaixo a formação de instrutores 2011 , na escola Autonomia em Florianópolis.
Cada um destes cursos propostos e mediados por mim, traziam o fazer cotidiano aprofundado nos 25 anos de atuação na Escola Autonomia, de Florianópolis e também a atuação na educação de jovens e adultos do campo no PRONERA UFSC, I-Terra RS e no projeto Saberes da Terra.
Na foto abaixo, atividade do projeto Transdisciplinar na Escola Autonomia de Florianópolis,ano 2009.
Falar um pouco da minha atuação na Autonomia se faz necessário, por fazer parte da minha história e construção, amadurecimento e engajamento na educação, foi ali que “nasceu” a síntese dos 3Cs. Nesta escola, além da atuação em sala de aula, também fazia assessoria com professores mais jovens sobre como trabalhar com projetos de aprendizagem, o que era uma proposta diferenciada da escola. A síntese dos três Cs se fez com base no construtivismo, isto é, que as crianças traçassem o caminho de questionar-se, construir um conhecimento, mais do que decorar e simplesmente reproduzir os conteúdos curriculares.
Explicando: a escola chamada tradicional ensina conteúdos, raramente explica a ideia, o conceito por trás dos mesmos, e mais raramente ainda dá a resposta aos educandos quando eles perguntam “onde e quando vou usar isso?”, principalmente à medida em que os conteúdos se tornam mais complexos.
Como um educador planeja sua atuação, tendo em vista a realidade da década de 2000, dos tempos escolares (200 dias letivos), carga horária e conteúdo curricular da disciplina? Bem, pensar sobre o tripé educando (quem são estes sujeitos, faixa etária, interesses, contexto social, etc), educador (quem sou, interesses, familiaridade, etc), e finalmente conteúdos (o que o social e historicamente a sociedade espera que eu ensine à esta nova geração neste momento, nesta disciplina) traz a ideia de pensar um problema para propor ao grupo, que leve à necessidade de uma determinada ferramenta para a sua solução (conteúdo).
Na foto abaixo, a construção de uma mini oca, com o primeiro ano da professora Gi, em 2012. Esta oca era a tenda dos livros num projeto de alfabetização.
Para trabalhar com projetos a ideia é justamente partir de um problema significativo para os sujeitos envolvidos, o que não quer dizer um espontaneísmo, ou deixar o grupo num compasso de espera para decidir o que pesquisar. Os projetos de pesquisa tem como base um problema proposto para que o grupo desenvolva pesquisas e soluções, e neste caminhar acontece a aprendizagem. O problema a ser proposto tem como base no tripé formado educando- educador- conteúdos e nesta interação acontece a construção de conhecimentos.
Na foto abaixo, a turma de 3º ano da professora Lucrécia,que tinha um projeto de horta, e contou com a assessoria do Jorge. Neste projeto estudaram medidas, seres vivos e alimentação.
Com isso se muda a perspectiva de processo, que não deve ter como prioridade apenas os conteúdos. A perspectiva é o CONTEXTO (sujeitos, sociedade onde vivem ) CONCEITO ( qual a ideia que o problema traz) e finalmente o CONTEÚDO ( a ferramenta que será usada na resolução do problema), e chagamos ao conhecimento e a uma aprendizagem significativa. Um dos exemplos para ilustrar é na matemática, o aprendizado da regra de três para crianças de 12 anos. A regra de três é a ferramenta, a técnica, o conteúdo: Se a/b = c/d então a.d = b.c. Qual o CONCEITO que dá origem a esta regra? É um dos conceitos mais importantes para o ensino de matemática, estatística, física, química, entre outras: o conceito de Proporção. Mas onde este conceito surge e onde faz sentido? Qual o CONTEXTO onde ele aparece? E qual o Contexto que faz sentido e desperte a curiosidade para crianças de 12 anos? %, densidade populacional, estatísticas sobre assuntos diversos, etc.
Nas fotos acima e abaixo, Suzana numa saída de estudos da escola Autonomia à São José do Cerrito, no projeto “Duas cidades diferentes, ou nem tanto” onde matemática, geografia e língua Portuguesa estudavam Florianópolis e Cerrito, com dados estatísticos e culturais. Este projeto com os sétimos anos aconteceu de 2002 a 2012, e teve variadas formas, mas o impactante era que pré adolescentes urbanos conhecessem a vida de uma cidade pequena e rural, percebendo a diversidade do mundo, culturas, e a relação campo-cidade e a interdependência entre todos.
O diagrama abaixo ilustra a ideia de quem “cabe” em quem: o conteúdo cabe no conceito, pois tem sua origem nele. O conceito cabe e tem sua origem num contexto, em determinando momento sócio-historico-cultural- ambiental.
Esta estratégia de repensar o conhecimento coloca o educador numa outra relação com seus saberes e pensar em como tudo faz sentido para o outro, numa:
Educação amorosa e altruísta, pensando sobre o pensar do outro.
Isto extrapola os limites das disciplinas escolares , e pode ser usado em qualquer contexto de aprendizagem, formal e informal.
Quando me construo como permacultora, após meu PDC com Jorge Timmermann, em 2002, passo a compartilhar os saberes de educadora no contexto de permacultores, seja no blog de Yvy Porã iniciado em 2007, seja nos encontros e cursos de formação de permacultores – educadores; também aqui os três Cs mostram-se super adequados, e passam a outro patamar, extra escolar.
Muitas vezes percebo, no blog ou em conversas, que as pessoas entendem a permacultura como conjunto de técnicas. Isto pode ser o como usar super adobe para fazer uma casa, sem sequer ter o terreno para a construção da mesma; ou querer plantar mirtilos na Bahia; ou pedem para fazermos cálculos para a cisterna, sem saber quanto chove no local. Talvez isso aconteça pela grande carência das pessoas em buscar receitas ou respostas imediatas e simples aos seus problemas. Para sair da armadilha das receitas, a volta aos 3Cs sempre ajuda, por exemplo, sobre a construção da casa: “onde você está? Qual o clima, qual o terreno? Qual a ideia para sua casa? Quem vai morar nela? Que material tens disponível? Isso leva a refletir sobre o CONTEXTO. Os CONCEITOS vem a seguir, e são construir com materiais locais, uma moradia adequada, confortável, design solar, emissão zero. Só então, e finalmente vem a técnica ou o CONTEÚDO: será de super adobe, ou taipa leve, vai ter banheiro seco ou com água, qual a melhor posição no terreno, etc.
Outra pergunta recorrente, que pode ajudar a exemplificar os 3 Cs é sobre saneamento, por exemplo: banheiro seco ou banheiro com água? Banheiro com ou sem água são opções e para cada uma podem ter mais de uma técnica, um conteúdo. O conceito que vem antes é o princípio de não poluir. Quem deveria definir que banheiro será feito é o contexto , ou seja, local, clima, oferta de água, pessoas que utilizarão as instalações.
Ou seja, sintetizando:
– Contexto– é o que norteia suas ações e decisões… Onde está, quais os princípios éticos que vai seguir, quem você é e em qual ambiente se encontra, o que o meio te oferece?
– Conceito– os princípios mais detalhados, ou seja, o “por que” fazer algo de uma ou outra forma. Qual a ideia fundamental que será o crivo? Como permacultores: leitura de paisagem, segurança, busca de fechar ciclos, conectar elementos, baixíssimo impacto ambiental, não desperdiçar, etc.
– Conteúdo– aqui entram as técnicas e materiais que são muitos, variados e fáceis de se achar na internet.
Então, este é o relato de como uma síntese feita numa educação amorosa e respeitosa com as novas gerações, dialogou com o ser permacultora e vem ajudando nos diálogos produtivos com educadores e permacultores. Minha alegria é enorme e para mim, fica demostrado, mais uma vez que, seja nas aulas de matemática na Escola Autonomia, ou numa resposta no blog de Yvy a ética de CUIDAR DAS PESSOAS permeando nossas ações sempre rendem bons frutos.
Adorei o texto. Inspirador!!!
Gratidão por partilharem experiências tão lindas.
Oi, Dayvid
Obrigado pelo comentário.
Abraço.
Adorei…gostaria de participar!
Amei o texto!!! Agradeço muito por compartilhar vivências, experiências tão lindas e inspiradoras!! Aqui irei compartilhar com muitos professores!!